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KOU
MATSUSHITA


uma caminhada
Creio que retornei, agora, à quando discorria sobre a impregnação da formação teórica na forma que vemos a vida. Reimagino conversas antigas sobre o espaço, como o vemos, e o sentimos. Imagino uma tentativa de conversa sobre esse assunto, mas ausente da palavra, ausente da definição ideal, como se esquecessemos tudo o que nos foi ensinado por anos, em prol de uma visão quase infantil de existência. Mas falho. Idealizo uma existência quase ausente do mundo, não mediado pelas camadas de vida que nos conforma, mas o que seria um espaço que não media? Talvez, o espaço é o próprio constrangimento: ela media pois constrange, e não há existência sem constrangimento. Nessa conversa, no entanto, eu teria que responder o que é que gostaria de projetar? O que gostaria, eu, de comunicar, ou permitir/impedir comunicar? Imagino, após algumas horas de questionamentos à qual me submeti, e sucumbi, que gostaria de mediar minha existência em mundo, e em mim. Oras, mas o que significaria isso? Acredito que, anterior a qualquer questionamento ao espaço, venha o questionamento ao comunicar; ao que me faz eu. O contato me contorna, me absorve e me faz eu, tal como faço ela, ela. Para mim, o contato era a palavra; a linguagem. E não havia elemento de comunicação maior com o mundo do que a linguagem, tão comunal, e tão constrangedora. A palavra me fazia nós, e disso nos cansamos, enquanto dela queremos mais. Mediava nossa existência com aquilo que nos faz nos encontrarmos: o outro.

Me lembro de comentar, anteriormente, que o caminho, que de alguma forma procuro encontrar, jaz em sentir o outro, em sua forma mais pura. Imaginava que seria contatar o outro, sem mediações, sem entres. Que faço eu, então, se quero um contato sem contato, uma comunicação sem comunicação? Quero projetar um não projeto? Essa pureza do contato, esse tal encontro, essa consumação; falo dela como se a procurasse como missão divina. Me lembra de contos, onde alguém seria incapaz de continuar existindo com o peso do não-mais-saber, e me imagino, por um momento em minha vida, tendo esse encontro e não a tendo mais, fadada a conviver com o que eu já deixei de saber. É pesado esse, o fardo da existência humana. Queremos o nada que já vivenciamos, ao inexistir, mas nunca mais poderemos sê-lo. Ao mesmo tempo, também não é confortável qualquer outra forma: já nos humanizamos, e ao fazê-lo, nos transformamos em algo que existe em comunhão - e isso dignifica. A influência do que é nós em nós e nos outros é o que dá valor à nossa própria existência. No final, é a minha noção de afeto que está deturpada. O afeto não vem da não mediação do contato, pois assim inexistiria. Mediamos, nos comunicamos, e assim vivemos, em um estado eterno do entre. Talvez seja, isto, o que gostaria de saber projetar: o afeto que media a nossa relação com o mundo, e com nós mesmas. Seria o afeto do não; o afeto do constrangimento. O afeto dessa violência.
um rol ao desvio
Saindo um pouco da linearidade de um projeto, independente do campo em que se encontre, agora procuro documentar o que é e será a execução desse projeto. Em minha última orientação, percebemos - ou, pelo menos, percebi a partir do que foi falado por minha orientadora -, o quão isenta de vida está a animação projetada. Fiz os storyboards, e creio ter traduzido da forma mais crua possível apenas o resultado do que roterizei. Claro, ainda com um certo simbolismo subjetivo da qual não consigo escapar, mas ainda muito restrita na mera mensagem a ser transmitida. Imagino-o, até então, análogo a um fichamento acadêmico, onde procuro traduzir a mensagem de alguém outro utilizando nosso próprio conjunto de signos. Essa animação que projetei era isenta, pois, de muito do que justificava o roteiro; os motivos para pensar assim, e considerar a arquitetura como considerei, tanto em seu estado “tradicional”, como essa outra arquitetura que pretendo explorar. Assim sendo, daria início aos experimentos, mantendo, em partes, o início que projetei, pois nele não acredito “faltar vida”, pois não carece dessa justificativa: é o que é. Apenas apresenta a base sobre a qual devo inserir essa vida, e demonstrar-se mais do que somente uma mensagem eventualmente. Mas ainda realizaria os experimentos com isso em mente, pois creio que talvez falta na base o suporte para realmente comportar a narrativa à se desenvolver nela.
Pois então, assim o fiz. Experimentei, e procurei criar a animação conforme regido pelos storyboards; pelo projeto dessa animação. Animei o movimento a ser representado, gravei os sons que os acompanham, entre outros. Da mesma forma, escolhi os ângulos de câmera, pontos focais, movimento das câmeras, enquadramento, etc. Foi uma experimentação muito livre: não cheguei a ousar tentar chegar ao produto final, apenas queria investigar como essas cenas se organizariam e como eu as organizaria. Resultou em um pequeno vídeo, com essas cenas, acompanhadas de um som estourado a acompanhar os movimentos realizados na cena. No entanto, conversando com minha orientadora, me foi retornado a questão do “por que?”. O que exatamente esse vídeo produzido queria comunicar? Por que optei por utilizar sons que não condizem com o esperado para acompanhar o movimento? Por que essa escolha estética do preto e branco, com as sombras estilizadas? Durante o processo, apesar de ter comentado não tentar alcançar esse produto final que falei, e que de certa forma tanto critiquei, os experimentos ainda não escapavam dessa tentativa resolucionista e fatal de um produto a ser entregue. Enquanto um TCC de arquitetura, acredito que me faltava definir exatamente o que era essa investigação que gostaria de realizar, pois sem isso, acabava apenas tentando resolver o produto da animação, e como entregá-la. Me preocupava com como esse produto seria realizado, sem me propor a olhar criticamente o que fazia. No final, entregaria uma animação, mas apenas como um resultado desse projeto que idealizei. A execução à perfeição do nome que tinha.
A questão é, então, entender um pouco melhor o que exatamente estou propondo aqui, sendo algo que está sendo descoberto ao longo do processo. Talvez resida aqui minha dificuldade em definir, em um título, o que proponho, e minha dificuldade anterior de compreender minhas expectativas sobre o que é o TCC. Acreditava ter respondido essa questão, ao compreender como interpreto a arquitetura, enquanto esse elemento que permite e restringe uma comunicação. Esse elemento que propõe uma violência benevolente que, até então, me recusava a aceitar e a realizar. Acredito estar satisfeita com essa conclusão, e aceito a descoberta futura do que seria me inserir nesse meio com essa visão renovada sobre a arquitetura, após me formar. Contudo, por mais que internamente tenha tido essa resolução, hei de pensar sobre o restante deste trabalho. Me orgulho do que escrevi até então, neste meio em que já me encontro há anos, mas ainda sinto que não consegui comunicar bem o que gostaria de comunicar. E, muito menos, consegui comunicar o que gostaria de comunicar utilizando a animação. Inicialmente, pensava nessa animação como um meio, por mim não dominado, à apresentar-se como uma construção arquitetônica em outros moldes, possibilitada justamente pela minha inaptidão. Seria, então, uma construção quase linguística, como uma nova frase em um novo conjunto de signos, que eu mesmo ainda procuro entender.
Uma frase a comunicar o meu processo de desenvolvimento do TCC de arquitetura à quem seja pertinente, ao mesmo tempo que me restringindo. No entanto, ainda utilizando essa analogia, creio ter idealizado a construção dessa frase com a mesma estrutura organizacional da linguagem tradicional a qual me opus, ao longo deste trabalho. Projetei, procurei construir, e abordei os problemas que se apresentaram com a mesma lógica resolucionista e projetual que se espera de um projeto tradicional. A vida que faltava era justamente a motivação para fazer o que fazia: era uma motivação resolucionista. Apesar de pregar por essa inserção de um subjetivo, de uma forma quase auto-etnográfica, no processo de projetar, o produto final acabou absorvendo todo esse ímpeto em prol da entrega. Ao mesmo tempo, preciso entregar. Como observamos, eu e minha orientadora, é um trabalho paradoxal, esse que realizo. Procurava explorar a subjetividade dentro da interpretação e execução da arquitetura, e iniciar minhas próprias descobertas sobre o que seria minha atuação como alguém que cria elementos a permitirem e restringirem comunicações. Mas utilizando meios que não domino na tentativa de não me resignar aos padrões que conformam uma linguagem já, supostamente, compreendida.
No entanto, tal tentativa resultou apenas em uma outra forma de ajustar esse outro meio aos padrões que já tenho costume, e fiz dele mais um produto representativo de um projeto ainda não construído. Foi mais uma renderização arquitetônica. Frente a esse paradoxo, me encontro em mais um ponto de tensão deste trabalho. Como já questionei, o que faço eu se quero projetar um não projeto? O que é que entregarei, visto que independente das questões abordadas, isso ainda permanece como um TCC de arquitetura? Sinto que terminar a animação conforme projetada seria, justamente, o que adjetivei como uma renderização de um projeto, e não gostaria que esse fosse o resultado desse paradoxo. Contudo, também não sei o que seria fazer uma animação, ou um produto, que resultasse realmente em um projeto arquitetônico, como o defini agora. O que seria uma animação que permitisse determinado contato, ao mesmo tempo que o restringisse? Qual seria o contato que gostaria de permitir, e qual seria restrito? Entre quem seria esse contato?
Vendo esse meio em que escrevo, faço um manual que, em teoria, permitiria um contato com minha orientadora, tal como com futuros interlocutores desse trabalho, pois contém de forma filtrada o processo que está sendo o TCC. De certa forma, também foi feita para que entendessem as motivações por trás do produto final que procurava produzir, pois, ironicamente, temia a comunicação que procurava estabelecer por lá. Era o meio arquitetônico criado entre o produto final e aqueles que nele se interessassem. Enquanto isso, confiava na animação à ser a arquitetura que mediaria meu contato com minha vida enquanto futura arquiteta. Engraçado, não? Seria a arquitetura que mediaria meu contato com a própria arquitetura. Imagino ter explicitado adequadamente minhas dificuldades perante minha atuação dentro da área, sendo todo esse trabalho uma certa reflexão sobre isso. O tornar-se competente - com a validação de onde formei -, e enfrentar a dúvida sobre tal competência. Competente em que; à que? Desejo mesmo tal competência? Realmente tenho essa competência? O fato é que a atuação, independente da área, implica na violência que citei. E dessa violência, por mais benevolente que seja, tenho medo. Nesse caso, o que seria a animação - enquanto uma construção arquitetônica - que comportaria esse medo em meu contato com a arquitetura, me protegendo do que sinto que necessita ser protegido, mas não encerrando nosso contato? E, mais importantemente, rever o que é que realmente necessito ser protegido, para que essa animação realmente seja realmente uma forma de romper algumas ligações com as minhas interpretações sobre arquitetura. Uma forma de me permitir conversar com aquilo de que eu tenho medo.
Ou seja, uma forma que me permitiria ter contato com interlocutores desse trabalho, sem a necessidade disso que escrevo agora. Mas seria justamente o contato não mediado que, como compreendi, não existe. Quando comecei esse TCC, lembro que tinha expectativas de que me “resolveria”, como dizia minha orientadora. Esperava um trabalho grandioso, que me permitiria entrar no campo da arquitetura de forma mais suave, sem maiores dificuldades. Imagino que, caso toda minha energia tivesse sido alocada à fazer um filme, como planejava, talvez conseguiria esse trabalho que idealizava, permitindo de fato esse movimento sutil à algum campo profissional. Mas, olhando ao que fiz até então, e às conversas que tive, seria apenas um filme: provavelmente agradável, visualmente coerente, com uma narrativa sólida. Mas não o veria como um TCC de arquitetura como gostaria: seria somente mais um render, um pouco diferente. Então, projetei uma animação que mediaria a si com aqueles que o vêem. Criei um manual para contactar o produto final com as pessoas pertinentes à esse processo, e procurava criar um produto final para.. que?
Acreditava que o processo, aqui registrado em palavras, não seria suficiente para ser a arquitetura entre eu e vocês, que leem, vendo arquitetura como qualquer meio criado para mediar esse contato. Tinha medo de ver a perdição em que me encontro, e tudo que realizei em tal perdição, como um produto final; como tradução mal feita do que questiono neste trabalho. Creio que, em suma, a animação foi, sim, uma construção arquitetônica. Permitiu que me “comunicasse” com a arquitetura, na forma de tudo e todos envolvidos no processo de um projeto de TCC: o idealizei, o projetei, o fiz, e por meio dele me comuniquei, com o singelo retorno de “por que?”. Sentia, ao conversar com minha orientadora, que não conseguíamos nos comunicar tão facilmente, pelas diferenças que tínhamos em como interpretamos tudo que foi discutido ao longo do trabalho. Ironicamente, foi por meio da animação - tanto sua ideia como sua execução - que conseguimos conversar. Discutimos sobre o que era essa animação, qual sua ideia, onde se encaixava na arquitetura. Trocávamos referências sobre filmes e séries que se aproximavam dessa discussão, e procurávamos compreender as relações entre as questões que pontuei aqui, sobre arquitetura, à esse novo meio da animação. E, da mesma forma, também procurávamos entender onde nos encaixávamos nesse trabalho. Esse manual, assim chamado pois seria uma forma de mais facilmente entender o produto final, é meu produto final, ou pelo menos parte dele. Está longe de ser algo que me abriria caminhos ao campo da arquitetura como a idealizava; afinal, é um desvio. Desviei da arquitetura tradicional, tal como estou desviando daquilo mesmo que esperava fazer, ao atribuir esse registro como o que iria entregar na banca de TCC. E que atribuição difícil, essa. Significa a “falha” do projeto, e aceitação desse projeto falho como o produto. Seria a aceitação do que escrevi e pensei como uma construção arquitetônica à vocês, que leem; e a aceitação da animação como a construção arquitetônica entre eu e aquela que me ajudava a escrever.